Os instrumentos tradicionais
Na tradição africana, o balafon, a kora ou a flauta são mais do que instrumentos musicais. Por detrás dessa função extra-musical, está a sua “ligação com o mundo sobrenatural”. “Daí ser comum ouvir dizer que é perigoso tocar balafon, kora, kaontim, sussa ou flauta em determinadas horas ou em determinados lugares. Se tocares estes instrumentos apreciados pelos irãs (deuses) em sítios isolados, eles aparecem e começam a dançar. Se parares, eles pedem-te para continuar. Tocas até à exaustão e podes acabar cego, louco ou morto. Tudo depende do castigo imposto por eles”, nota o pesquisador Mário Cissoko.
O cuidado em relação ao bombolom, instrumento sobretudo utilizado nas cerimónias de toca-tchur (homenagem a um parente de uma certa idade falecido) mas também meio de comunicação por excelência, é sintomático deste misticismo. No “Atlas dos Instrumentos Tradicionais da Guiné-Bissau”1 lê-se que “não se pode deslocar o instrumento de um lado para outro sem fazer uma pequena cerimónia que consiste em levar um litro de aguardente (cana). Durante o transporte e como determina a regra, o bombolon vai sendo tocado”. Este instrumento cavado num tronco de árvore tem uma função mágica, sendo utilizado em cerimónias destinadas à comunicação com as divindades. “Na etnia mancanha, toca-se num conjunto de três bombolons e aquele que toca o mais pequeno tem de conhecer os parentes do defunto, transmitindo assim a história da família”, revela o Atlas. Em “Sons da Tradição” (4), Mariana Ferreira realça o respeito em relação ao n’guentcharo (uma espécie de sino), por parte das mulheres manjacas, “as quais organizam pequenos rituais de agradecimento aos instrumentos”.
Instrumentos musicais tradicionais
Idiofones
Cocos de mangos
Balé
Balafon
Bombolom
Chocalho
Rec-rec
Ferro
Campainha
Chocalho de pulso
Lálá
Palmas
Tina (Tambor de água)
Cabaça
Kunna
Tanque
Membrafones
Dondom
Dundumba
Findon
Ondam
Tabulé
Sikó
Aerofones
Flauta
Flauta transversal
Chifre
Calitó
Flauta de lama
Neo
Plul
Cordofones
Kora
Kissinta
Tonkoron
Bolombato
Nhanhero
Quadro elaborado com base na obra de Correia, João C., ob. cit.
Os instrumentos tradicionais da Guiné-Bissau estão divididos em quatro grupos, designadamente os cordofones (viola, kora, etc.), os membrafones (tambores, djimbé, etc.), os membrafones (tambores, djimbé, etc.), os idiofones (reco-reco, palmas, etc.) e os aerofones (flautas, chifres, etc). Uns são populares e espalhados por todo o país, enquanto outros limitam-se a uma única comunidade. Entre os mais populares encontra-se o bombolom (fin’rilin, na etnia Balanta), que os seus executantes tocam sentados no chão, percutindo o tronco com duas baquetas. A dimensão da abertura do tronco contribui para a sua qualidade tímbrica, sendo que os sons graves nascem nas suas extremidades e os sons agudos no interior.
A tina ou tambor de água, igualmente espalhada por todo o país, consiste numa meia-cabaça ou um tambor de metal – antigamente utilizavNa tradição africana, o balafon, a kora ou a flauta são mais do que instrumentos musicais. Por detrás dessa função extra-musical, está a sua “ligação com o mundo sobrenatural”. “Daí ser comum ouvir dizer que é perigoso tocar balafon, kora, kaontim, sussa ou flauta em determinadas horas ou em determinados lugares. Se tocares estes instrumentos apreciados pelos irãs (deuses) em sítios isolados, eles aparecem e começam a dançar. Se parares, eles pedem-te para continuar. Tocas até à exaustão e podes acabar cego, louco ou morto. Tudo depende do castigo imposto por eles”, nota o pesquisador Mário Cissoko.
O cuidado em relação ao bombolom, instrumento sobretudo utilizado nas cerimónias de toca-tchur (homenagem a um parente de uma certa idade falecido) mas também meio de comunicação por excelência, é sintomático deste misticismo. No “Atlas dos Instrumentos Tradicionais da Guiné-Bissau” lê-se que “não se pode deslocar o instrumento de um lado para outro sem fazer uma pequena cerimónia que consiste em levar um litro de aguardente (cana). Durante o transporte e como determina a regra, o bombolon vai sendo tocado”. Este instrumento cavado num tronco de árvore tem uma função mágica, sendo utilizado em cerimónias destinadas à comunicação com as divindades. “Na etnia mancanha, toca-se num conjunto de três bombolons e aquele que toca o mais pequeno tem de conhecer os parentes do defunto, transmitindo assim a história da família”, revela o Atlas. Em “Sons da Tradição”, Mariana Ferreira realça o respeito em relação ao n’guentcharo (uma espécie de sino), por parte das mulheres manjacas, “as quais organizam pequenos rituais de agradecimento aos instrumentos”.
Os instrumentos tradicionais da Guiné-Bissau estão divididos em quatro grupos, designadamente os cordofones (viola, kora, etc.), os membrafones (tambores, djimbé, etc.), os a-se um barril cortado ao meio), virado com a boca para dentro de um recipiente (bidão) com água, funcionando como ressoador. O som é produzido percutindo a cabaça com as mãos. Outro instrumento popular ligado à música das mandjuandadi é o sikó, um pequeno membrafone de som agudo, construído com um caixilho em madeira e pele de gazela, com formato quadrangular, que se fixa entre o braço e o antebraço e se percute com uma ou duas baquetas. Instrumento crioulo por excelência, acompanha ritmicamente o canto e a dança.
Por sua vez, os Mandingas têm no balafon (idiofone) e na kora (cordofone) os seus instrumentos predilectos. A sua história é secular: o balafon nasceu no século XIII, durante a época do imperador mandinga Sumaro Kanté. Quanto à kora, a lenda indica que nasceu no império do Kaabu, no século XIX. “O termo balafon vem da junção de duas palavras mandingas: balah, que refere o instrumento, e fo, que pode ser traduzido por ‘falar, fazer falar, dizer’. Bala-fo significa fazer falar o bala, tocar o bala”, nota o etnomusicólogo canadiano Sylvain Panneton, num artigo sobre o balafon de Tabato, publicado na revista Soronda, de Julho de 1991. (5) Tabato é uma tabanca situada à portas de Bafatá, no leste do país, e povoada sobretudo por djidius.
O balafon e a kora são ambos tocados por djidius. O balafon toca-se com duas baquetas nas bordas da fenda, tendo cada lado diferentes alturas de som. O tocador está geralmente sentado. No “Atlas dos Instrumentos Tradicionais da Guiné-Bissau” (6), pode ler-se que “o conjunto ideal de balafon é de três, tendo cada um uma especialidade: baixo, acompanhamento e solo”. Os autores precisam que em relação à kora, o tocador dedilha as cordas com os polegares e os indicadores das duas mãos e os restantes dedos seguram o instrumento por meio dos dois paus situados na base do braço.
Os instrumentos musicais marcam presença nas grandes manifestações, como as cerimónias de régulo (bolombato) e festas populares, em actividades ligadas à agricultura (flauta de lama), luta tradicional (kissinta e tonkoron) e sobretudo nas cerimónias religiosas e místicas. Além do bombolom, algumas celebrações religiosas (entre as comunidades muçulmanas) ou dedicadas aos defuntos (nos animistas) recorrem a instrumentos próprios como o ferro, o plul, o ondam e o tabulé. O ondam é tocado para chamar o nome do defunto, com uma linguagem de sons codificados e entendida pelos iniciados. Já o ferro (Balanta, Mancanha e Pepel) é utilizado nas cerimónias fúnebres e para comunicar com o mundo espiritual, enquanto o plul (Mancanha) toca-se nas cerimónias aos irãs. As etnias predominantemente muçulmanas (Fula e Mandinga) utilizam o tabulé como meio de comunicação e para marcar o ritmo durante a leitura do Alcorão, por ocasião do Maulud (nascimento do profeta Mahomet).
Praticamente todos os instrumentos musicais tradicionais são tocados por homens, e nalguns casos, homens pertencentes a uma classe de idade particular. Por exemplo, o bombolom é geralmente tocado por homens mais velhos, enquanto o dondom, um tambor fula, é tocado somente por djidius de sexo masculino.
Os raros instrumentos musicais tocados pela mulher são a tina, as palmas, o ferro e a cabaça. As palmas consistem em dois pedaços de madeira que são matraqueadados para marcar o ritmo e acompanhar as canções e os dançarinos. Por sua vez, a cabaça acompanha as danças e os cantos. O tocador encosta o instrumento ao peito e com anéis encaixados nos dedos das duas mãos vai tocando.
A campainha e os cocos de mangos estão igualmente associados à mulher e à dança. As campainhas (pequenas e de metal) são atadas ao vestuário, marcando e acompanhando ritmicamente a dança. Também podem ser atadas de duas outras formas: a um arco, durante o fanado (iniciação) dos Beafada, ou a um pau, geralmente nos fanados mandingas para apresentação de cumprimentos e na dança. Os cocos de mangos são fabricados a partir de 10 a 15 sementes de manga secas enfiadas numa corda que os dançarinos atam aos tornozelos para marcar e ampliar o ritmo.
Vladimir Monteiro
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Notas
2) Ferreira, Mariana, Sons da Tradição, Radda Barnen / SNV, Bissau, 1995, p. 5.
3) Correia, João C., ob. cit, p. 52.
4) Ferreira, Mariana, ob. cit., p 19.
5) Soronda N° 12 (Julho 1991), p. 45-60.
6) Correia, João C., ob. cit, p. 50.
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