Os profissionais da diáspora
A isto chama-se sorte. “Quando cheguei a Madrid, comecei a tocar nas estações de metro e pouco a pouco foram aparecendo donos de pequenas salas interessados. Foi numa dessas salas onde eu estava a actuar que David Byrne, dos Talking Heads, reparou-me e posteriormente convidou-me à sua residência em Madrid para tocar. No final, propôs-me integrar a editora Nubenegra com um compromisso de gravar três álbuns”. Esta é a história de Bedinte, um dos rostos da nova música guineense, que, tal como muitos conterrâneos, teve que emigrar para se tornar profissional. Uma história com final feliz mas extremamente rara sobretudo no meio artístico.
A ida a Portugal, França ou Inglaterra não é garantia de sucesso. Que o diga o cantor Atanásio. Em 1988 foi convidado a integrar o Issabary em Lisboa, mas a sua chegada coincide com os últimos momentos do conjunto. O cantor procurou iniciar uma carreira individual mas a experiência durou pouco tempo. “Para sobreviver, tive que trabalhar na construção civil e até joguei futebol na equipa de Caudal, da divisão distrital do Porto. Só depois de uma passagem por Espanha é que pude retomar a música, num conjunto sul-americano”.
Numa época marcada pela crise no mercado discográfico, a que se junta a pirataria, viver da música é cada vez mais difícil e implica alguns compromissos, entre eles optar pelo estilo musical imposto pelo produtor, muitas vezes mais interessado nas vendas de CD do que na originalidade. O pianista e saxofonista Juca Delgado denuncia este facto, nomeadamente em Portugal. De acordo com Sá Filipe, a situação esteve bem pior no passado em Lisboa onde trabalhou largos anos. “Em finais de 1980, início de 1990, os artistas quase que cediam as suas obras aos produtores. Muitas vezes, ficavam amarrados três, quatro ou cinco anos no momento da assinatura do primeiro contrato”.
Foi nessa altura que alguns produtores guineenses procuraram assumir os destinos da música da sua terra em Lisboa, entre eles João de Barros. Entre os discos produzidos pela João de Barros Comunicações constam “Casamento d’aós”, de Justino Delgado, e “Mundo de fêmea”, de Manecas Costa. Por seu turno, Alfredinho e o seu irmão produziram Eneida Marta, Azi Monteiro e Dulce Neves, entre outros. A lista dos produtores guineenses incluiu igualmente Nelito Taborda e Paulino.
Com o número de candidatos a um lugar no circuito world a aumentar diariamente, alguns músicos vêm multiplicando as iniciativas para fazer parte dos eleitos. É o caso de Zé Manel Fortes, radicado em Oakland, Estados Unidos, onde fundou o seu próprio estúdio e criou um site para “marcar presença no mundo do show-biz e facilitar os contactos com os fãs, os jornalistas e outras pessoas do meio artístico”. De acordo com Rui Sangara, artista que vive entre Bissau e Lisboa, “é preciso muita sorte, trabalho e qualidade para conseguires abrir as portas na diáspora”. Para Bedinte, trata-se de um processo quotidiano, que passa também pela descoberta do trabalho de outros artistas. “Comecei a observar músicos brasileiros, cubanos e grupos africanos. Assisti a vários concertos de Cesária Évora, quando Paulino Vieira era o seu chefe de orquestra. Fiz tudo isso para ver como se trabalhava e assim poder chegar à ‘world music’”.
A escolha da cidade ou do país como ponto de partida para uma carreira também é essencial. Quando decidiu sair de Lisboa, Bedinte excluiu a França para levar a cabo o seu projecto. “A França estava saturada e por isso optei pela Espanha. Ali, não havia muitos músicos africanos e muito menos músicos da África Ocidental”. Os artistas guineenses de Lisboa, Paris ou Lanzarote enfrentam um outro risco que consiste em ver a sua música ser essencialmente consumida pelos seus conterrâneos em vez de chegar ao público português, francês ou espanhol. Uma guetoização pouco desejada para quem pretende fazer carreira na música. Fundador em Lisboa do conjunto Sabá Miniambá, Sidó destaca como principal dificuldade a conquista de um público diferente do guineense e africano.
Mas os casos de sucesso existem. “Nem sempre consegues um grande palco mas podes actuar regularmente em discotecas”, conta Rui Sangara, satisfeito com o seu estatuto na capital portuguesa, comprovado pela participação numa compilação de músicas de Natal para crianças em 2007. “Alguns brancos param-me na rua e dizem que têm o meu CD ou entoam uma canção minha. É um sentimento agradável”. Zé Manel, nos Estados Unidos, e Lilison di Kinara, no Canadá, viram premiados os seus álbuns “Maron di mar” e “Bambatulo”, respectivamente. Quanto a Guto Pires, é tido pela crítica portuguesa como sendo dono de “uma estética muito própria, marcada pela unidade na diversidade polifónica”. Na capital portuguesa, onde reside, ficou ainda conhecido pelo seu envolvimento nos projectos “Sons da Fala” e “ Sons da Lusofonia”, ao lado de artistas como os portugueses Sérgio Godinho, Rui Veloso, Vitorino, Filipa Pais, os cabo-verdianos Tito Paris, Dany Silva e Bana e o angolano Filipe Mukenga.
Kaba Mané é também citado como um caso de sucesso pelo seu percurso atípico, seguindo da sua região natal de Quínara directamente para Lisboa sem passar por um conjunto em Bissau. Na capital portuguesa, aprendeu a tocar violão mas foi em França onde a sua carreira arrancou realmente com espectáculos e álbuns gravados (“Chefo mae mae” e “Kunga kungake”), em meados dos anos 1980, numa altura em que se começou a falar da world music.
A estes artistas juntam-se, entre muitos, Neta Carlos Robalo (em Portugal e sobretudo na Alemanha onde, com o seu grupo Duniabélé, gravou “Tchon Trimi” e “Reality”), Tchinho Centeio (ex-Kapa Negra e hoje a residir em Dakar), Djon Mota, Adriano Tundu, Armando “Gente Noba” Pereira, Wie Sissoko, Ianu Saluqui, Klim Mota (“Juras d’amor”), Seco Camará (“Esperança”) e Sidó Pais. Radicado em França, Sidó foi o primeiro artista guineense cujo disco foi produzido naquele país, corria o ano de 1981; o seu álbum “Guiné nha terra na kil tempo” foi lançado pela editora Ledoux Record, igualmente produtora do conjunto senegalês Baobab.
V.M.
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