Schwarz e Atchutchi: a arte da composição José Carlos Schwarz
José Carlos Schwarz tinha uns 14 anos quando começou a mostrar interesse pela música. “Ele veio ter comigo muito entusiasmado. Como ainda não tinha um ouvido musical educado, aconselhei-o a ouvir música no gira-discos que tinha em casa e tentar colocar a voz. Havia um outro problema: ele não tinha uma guitarra e o seu pai não queria oferecer-lhe uma para não prejudicar os estudos. então, copiei a escala em papel quadriculado e disse-lhe para desenhá-la no braço esquerdo e repetir os movimentos. Estava tão habituado a fazê-lo que um dia foi surpreendido pelo pai quando estavam à mesa. Teve que confessar mas por insistência da mãe, o pai acabou por lhe oferecer uma guitarra cor de mel de seis cordas, da marca Eco. Ele apareceu-me em casa, gritando: agora posso aprender a tocar.” Palavras de Ducko Fernandes, na altura um adolescente de 16 anos e uma das pessoas que melhor conheceram Schwarz.
Passados alguns anos, Schwarz integrou mesmo o seu primeiro grupo, o Pérolas Negras, do qual faziam parte os irmãos Fernandes. Schwarz tocava viola ritmo e estava apenas interessado em tocar. “Como muitos jovens na altura, ele pensava mais nos ‘Beatles’ e nos ‘Shadows’ do que na política. O nosso ‘hobby’ era coleccionar cromos ou discos. Começámos o liceu em 1962 e estávamos fora do circuito político, apesar do PAIGC ter sido criado em 1956 e o massacre de Pindjiguiti ter ocorrido em 1959”, recorda António Oscar Barbosa, vulgo Cancan, outro próximo de Schwarz.
A situação vai evoluir rapidamente na sequência das prisões maciças e do acesso, por parte de alguns jovens, a uma literatura mais instrutiva, com as obras de Rosa Luxemburgo, Frantz Fannon, Samir Amin e Josué de Castro substituindo os livros de “cow-boys” da Colecção Seis Balas. “No continente africano, começava-se a falar de líderes como Sékou Touré e Nasser. O grupo começou a desenhar as suas opções: uns viam no PAIGC a unidade Guiné-Cabo Verde enquanto outros eram contra. José Carlos escolheu a segunda corrente, militando no Roda Livre, um movimento criado pelos chamados ‘fidjus di tchon’ (filhos da terra) como Pipi Pereira, etc.”, lembra Cancan. Em 1968, o regime português, através do major José Falcão, enviou-o a Portugal para falar da adesão da juventude guineense à política portuguesa. Mas a tentativa de juntar os guineenses que viviam na metrópole à volta do ideal português teve um efeito contrário, sobretudo depois de Schwarz ter encontrado membros da célula nacionalista, como Filinto Barros e Mário Cabral.
Numa entrevista publicada a 21 de Julho de 1976, no “Diário de Lisboa” e citada na obra de Augel, Schwarz justificava a influência musical europeia e americana pela impossibilidade de tocar o gumbé, “esmagado na sequência do massacre de 3 de Agosto de 1959”. Face à impossibilidade de tocar esta música durante as reuniões de trabalhadores – “ninguém cantava nas cidades em crioulo” –, a alternativa era cantar “só no inglês dos ‘pops’ de então, ou no brasileiro de Roberto Carlos. (25) Segundo Ducko Fernandes, tal decisão devia-se também à intensa propaganda colonial de alienação cultural.
Mas a viagem a Lisboa mudou tudo: logo após o regresso a Bissau, Schwarz põe de lado os “Beatles” e outros valores e começa a interessar-se pelos estilos tradicionais ao mesmo tempo que se implica na defesa da libertação da Guiné, na linha de pensamento de Amílcar Cabral. O seu contributo faz-se nomeadamente através da mobilização e envio de muitos jovens para as zonas libertadas bem como perpetuando algumas acções violentas, como a colocação de explosivos (no Café Ronda, UDIB, instalações da PIDE e na Bomba de Gasolina de Alto Crim).
A sua mudança de atitude foi sancionada pelas autoridades com o despedimento do emprego que tinha na Câmara de Bissau. Desempregado, com a namorada grávida e contando apenas com o apoio financeiro de Ducko, Schwarz decide dedicar-se ainda mais à música. Corriam os anos 1970, altura em que Carlos Santana aparece na cena mundial. “Ele pensava que se pegasse na música guineense e lhe desse uma roupagem tal como fez Santana em relação à música mexicana, faria com que a Guiné-Bissau fosse conhecida no mundo inteiro. Para ele, a música tinha essa finalidade. Mas chega à conclusão que não era a melhor via e como ele não era ainda um virtuoso da guitarra, procura outra coisa. Numa das nossas discussões, disse-lhe que se quisesse levar a mensagem bem longe, teria que incluir o texto”, recorda Ducko.
Schwarz cria o Sweet Fenda, um conjunto moderno com bateria, órgão e guitarras solo, ritmo e baixo, mas os espectáculos em Bissau e no interior do país não conseguem prender a multidão. Schwarz confessa que a guitarra de Santana e a voz de Ottis Redding – cuja forma de cantar o inspirou – não lhe tinham permitido encontrar a via musical que procurava. Ele queria algo diferente da música que tinha feito no seio do Pérolas Negras ou do Sweet Fenda. Ele procurava uma música perto daquilo que estava a pensar em termos políticos. Foi nesta altura que Schwarz passou “da filosofia contemplativa de Luís Cândido, segundo a qual o negro é belo, para a filosofia mais pragmática e mais interventiva de Filinto Barros, para quem o negro é um escravo que deve procurar libertar-se”, explica Ducko.
Começa a ouvir música tradicional e sente-se muito atraído pelos géneros musicais fula, mandinga, balanta-mané e beafada, pela sua musicalidade. A reunião a Aliu Bari vai ser determinante nessa procura musical e política. “O meu encontro com José Carlos Schwarz foi ditado por considerações políticas. Tinham-me dado uma missão que consistia em identificar um jovem dinâmico e ele era a pessoa indicada”, recorda Bari. Os dois pertenciam a meios sociais diferentes. “O Zé Carlos era um ‘mininu di praça’ (citadino) e eu, um mininu di tabanca (camponês). Estudávamos no liceu, mas não convivíamos juntos.”
O facto de ambos serem músicos facilita a relação. “Ele tocava e eu tocava. Quando o conheci, expliquei-lhe o meu projecto e ele concordou com a ideia. Enquanto fazíamos música, falava-lhe de política. Certo dia, apresentei-lhe a direcção do partido. A nossa missão incluía várias vertentes, entre elas a música.” Um projecto que os dois materializarão no quadro do Cobiana Djazz, um conjunto que iria revolucionar a música e promover o nacionalismo guineense.
V.M.
(25) Augel, Moema Parente, ob. cit., p. 397.
Jorge Carvalho diz
Estimados,
Gostaria desde já dar os parabéns por esta excelente iniciativa, a VOZDAGUINE. Chamo-me Jorge Carvalho e produzi em 2013 um documentário sobre a kora. (trailer: https://vimeo.com/88697977)
Estou a produzir um documentário sobre a génese da música moderna guineense, tendo como ponto de partida a orquestra Cobiana Jazz. Estou à procura de ajudas ao financiamento e também em termos de pesquisa. Será possível comunicarmos de uma outra forma?