A música no cinema guineense
O guineense Flora Gomes, o realizador mais conhecido da África lusófona e um dos grandes nomes da Sétima Arte do continente negro (foi premiado nos festivais de Veneza, Ouagadougou e Cartago, entre outros), não esconde a sua paixão pela música e admiração pelos músicos africanos: “Sempre ouvimos dizer que a África está atrasada em vários domínios e concordo em parte com essa ideia. Mas há muitas coisas positivas e uma delas tem a ver com a música. É a nossa força, a força do continente. O nosso canto é penetrante”. Flora, formado no Instituto Cubano das Artes sob a direcção de Santiago Alvarez e em Dakar, ao lado do realizador senegalês Paulin Soumanou Vieyra, não se limita a uma mera admiração. Além de trabalhar com músicos profissionais, fez da música o tema central de um dos seus filmes, a comédia musical “Nha Fala”. “Ao realizar ‘Nha Fala’ quis homanegear as grandes figuras musicais africanas como Zé Carlos, Atchutchi, Youssou Ndour, Manu Dibango, Cesária Évora e o meu falecido amigo Ildo Lobo”, justifica.
Para o realizador, a relação entre a música e o cinema é óbvia, daí o peso da música no seu trabalho: “Sempre que realizo um filme, tento ilustrá-lo e dar-lhe um suporte musical forte. O músico é um elemento tão importante como o director de fotografia ou o engenheiro de som”. Uma opinião partilhada pelo seu colega de profissão e compatriota, Sana Na Nhada, realizador de “Xime”: “A função da música é importante. Por um lado, ajuda o espectador a entrar na história. Embala o espectador mas não pode distraí-lo. Por outro, complementa a mensagem”.
A ficha técnica dos filmes de Flora mostra uma escolha apurada de directores musicais, dos quais faz parte o seu compatriota Atchutchi, autor da banda sonora de “Os olhos azuis de Yonta”, estreado em 1992. Uma colaboração bem sucedida, segundo o realizador, que recorda a proeza do seu compatriota, “pela orquestração que serviu de mais valia. Foi um ritmo que conseguiu agarrar os espectadores. A música do genérico do filme é muito forte”. Flora também trabalhou com um outro músico guineense, Ramiro Naka, a quem atribuiu um dos principais papéis em “Po di Sangui”. Porém, tal como noutras componentes do filme, a questão da nacionalidade nem sempre é a mais importante, facto comprovado pelos convites feitos aos músicos Pablo Cueco e Manu Dibango, respectivamente, para a composição das bandas sonoras de “Po di Sangui”, em 1996, e de “Nha Fala”, em 2002.
Qual é a relação entre o realizador e o director musical? Sana, igualmente formado no Instituto Cubano das Artes, aposta numa espécie de complementaridade, ou seja “preparar o argumento e, seguidamente, submetê-lo ao músico para que este possa fazer a banda sonora”. Infelizmente, a necessidade de concluir rapidamente “Xime” e participar no Festival de Cannes em 1994 obrigou o realizador a recorrer a temas já gravados.
O trabalho de Flora também implica a participação do músico: “Digo-lhe simplesmente: preciso disso. Por exemplo, no caso da comédia musical disse ao Manu Dibango: não quero um estilo camaronês, zairense ou guineense. Quero um estilo próprio de uma comédia musical, que traga uma mistura de muitas coisas. Porque não faço um filme para a minha casa ou a minha família. Quero um filme com uma assinatura universal e para tal tenho que trabalhar de forma estreita com o músico”, explica. Apesar da total autonomia do músico, o realizador está sempre perto: “Estive várias vezes no estúdio para assistir às misturas com o Manu Dibango, que não é um músico qualquer. Ele perguntava-me sempre se eu estava de acordo ou não. No caso do Atchutchi foi igualmente um trabalho extraordinário. Deve contudo dizer que não é fácil porque o músico tem a sua mensagem que quer deixar patente e eu tenho a minha, e ela não pode assentar apenas na música mas deve corresponder com a imagem que quero mostrar”.
A imagem mas não só. Segundo Sana, o género cinematográfico também dita o tipo da música a ser escolhido para a banda original. Autor de cinco documentários, o realizador prefere “a música instrumental nas obras de ficção e a música cantada nos documentários, porque as letras da canção complementam a mensagem que se pretende passar, e até sons da natureza”. Em “Xime”, optou pelo som de uma flauta do Futa Djallon, um fado para ilustrar a personalidade de um português, um dos protagonistas do filme, e até o riso de uma hiena.
V.M.
Deixe um comentário